segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Obsclaro

Bom mesmo,

meu caro amigo,

é este teu riso vindo do breu

vindo de fato
desta escuridão reluzente

espontânea espifania

que surge

destes teus olhos
de lenhas crepitantes

destes teus olhos
negros como o raro clarão sem sol

- como a noite e suas do nada possibilidades

Como a história

é como a história
que em suas bases
retira das mudanças
as suas precisas necessidades

é ainda, no fundo,
mais do que ela
a utopia,
o desejo de apalpar concretamento o futuro,
o desejo de encontrar no chão,
após traçar léguas,
o esforço asfaltado na rua,
sua firmeza,
seu calor
de ávidos tempos esperados,
seu horizonte como uma águia,
olhos e, ao longe, um palmo de fincar-se em pé.

é como isto,
isto, que é como a sensação do que vem,
o desconhecido das curvas,
e após quem sabe o mar, uma nuvem ou um pequeno pedaço de alimento?

é, sim, tudo isso.

e de repente encontro os teus lábios,
esta necessidade sempre nova
do que reside em mim como já em voo

e assim me trazes este solo tão firme e macio:
horizontes concretos de nossas bocas...

Faz parte
















não se assuste
se os nossos lábios tais braços
nos esquentam para além das roupas dos corpos

Não se assuste
se caminhando, dedos em leves nós,
nos encontrarmos perdidos
numa rua não planejada
num ponto desconhecido
escondidos de uma chuva
e, mais do que isto,
perdidos em nós mesmos
como num quadro de Kandinsky :
mescla de cores em loucura sensualística

não, não se assuste
se, em ardência,
um fogo se crepita
acende já a vela
clica o interruptor
e a luz está qual estrela

não, não se assuste
se os olhares furtivos
visam o furto de tudo
desde os ossos
os músculos
até o destino do murmúrio
seus desejos
e delírios

Não, não se assuste
que tudo isto faz parte
e esta parte está em tudo
e eu a quero dar-te
como sei que me concedes
na arte do que se faz
nosso todo.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Doçura

coloco fermento
e mãos à obra
para que esta massa
em candura e calor
vá tomando forma

- de doce.

À Di.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O momento em que me deparei com a mesa...

da minha mesa

consigo enxergar

o que se diz como pós-modernidade:

de um lado vejo um pequeno copo de cachaça com um minúsculo prisma

e acompanhando-o uma tampa redonda

mais à frente

verticalmente ao copo

um pote de remédios

e nele, como tripas, aquelas pequenas cápsulas vermelhas que servem para manter
a jovialidade e os difíceis fios de cabelo

abaixo do pote
diversas pedras brancas meio lapidadas
um certo brilho seco advindo de sua cor

escorre-se até duas esteirinhas de bateria que me remetem ao ofício de tocar
ao trabalho das mãos em compassos
e as pluribatidas marcando o tempo

e eu acreditando que não perco a batida exata da música
e eu realmente concebendo que aprendi os contratempos

de repente,
............na diagonal
....................vejo o tênispé de calêndula

e me lembro de meus pés, de minhas frieiras assíduas e de todos os passos
pelos quais cheguei aqui
como se aquele caminho traçado tivesse realmente um traço
fosse realmente honesto
como se eu pudesse lançar a linha ao longe no passado e buscar o anzol perdido
no fundo de rio onde os peixes que comeram a isca
já nem existem mais
como estrelas

Todo de um golpe, quase no meio da mesa,
vejo os pregadores
a obrigação de lavar a roupa
de prendê-las
quando vejo-as em sua movimentação espontânea
acertadas pelo vento e querendo demover-se sem que, no entanto, possam deixar-se ir
para qualquer lugar do mundo
para qualquer sujeira
para revestir a copa de uma árvore
ou quem sabe ainda
estacionar sobre os olhos de um pássaro
e cegá-lo momentaneamente
ou mesmo até que ele despenque do ar
e conheça o que é ter pernas

Os meus olhos tombam então no computador,

bem ao centro da mesa

ele,

imponente
como que me mostrando a ausência física do mundo
e o meu ser todo fóssil
a contemplar o planeta em platonismos inimagináveis
e
sem dificuldade
entro em contato com todas as pessoas do mundo, embora me veja, na verdade, apenas observando o meu reflexo no vidro do computador
vendo apenas a minha imagem, as minhas palavras e outras correspondidas talvez não por uma pessoa
mas apenas pelos dados capturados quem sabe de uma subjetividade já perdida na configuração racionalizada de uma máquina

o ruído das caixas de som invade meus ouvidos
ouço, pela via de um dvd-r faber castell
uma outra dimensão de músicas e
estou num espetáculo pessoal no meu quarto
e os músicos já nem importam mais
eu nem sei os seus nomes
nem seus rostos
direito
mas conheço toda as suas trajetórias
sei de todos os seus cds
conheço seus estilos
e talvez possa até encontrar paparazzicamente
o nome falecido de seus antepassados

No encontro do som
eu coloco a mão numa escova de cabelos amarela
que tantas vezes desliza pelos meus cabelos
e me dá o vigor da estética
contemplo-a minuciosamente
seus n-números de pauzinhos como fósforos
que atravessam o cume de minhas idéias
que massageiam o ego e a cabeça
e desencadeiam as caspas e os fios aos sopros que desumedecem
a imaginação molhada
e fedendo a suor

num canto
eu vejo papéis
dezenas deles
alguns políticos
outros apenas publicitários
porém que se confundem
numa espécie de oferta
numa espécie de oferenda
numa volúpia de ordem
e meu coração bate em 2 por 2
ao ver que todas as palavras escritas nos inúmeros papéis
ressoam vazias no que penso
e se esticam pelo chão
até que eu as apanhe
ou apanhe
de suas inconformadas leis
de seus plenos tu-deves
de seus discursos críticos severos ressentidos agudos úteis ´
inúteis
até que elas me venham cobrar de mim,
(de mim,que sou tão pusilânime)
a vida que levo
o que todo que descanço
o ócio
e também a coragem a força
o não-medo
e tudo o mais que me esqueço...

embaixo de tudo isso
observo o "bandido da luz vermelha"
eu meio cego
no discreto de um quarto escurecido pelo sol que não sabe de seu lume
olho-o e penso
que grande merda!!!!
e um riso incontido e ácido corrói toda a gargante
contudo, não me incomodo
é como que um alimento que vai me descendo sem calma,
acendendo diversas glândulas
como uma espécie de húmusformicida
nutrindo e degradando ao mesmo tempo

e quando já sinto que a mesa já perdeu seu espaço
enão há como se localizar nada
topo a vista nas conchas de uma praia deixada em algum lugar
as conchas estão paradas
e eu podia pensar em eternidade adjacentes advindas de seus vários elipses incontidos
no entanto, apenas as olhos e posso enxergar a aridez de seus corpos
propensos a se esfarelar pouco a pouco até se dissolverem por todos
e subirem como areias
misturadas aos tantos grãozitos de pó que já dormem há tantos anos por sobre a face da mesa

finalmente
já nem mais sei da mesa
e me vejo sozinho
uma caneta na mão
o computador e seu teclado

penso em escrever um longo poema
mas estou tão cansado
que só me sairiam
a besteira
da observação de nada
e da sua expressão exausta
deslocada
e estúpida

AnoMaria.

Chamava-se Maria. E por qual motivo? Podia chamar-se Paula, Joana, Madalena, e ainda teria uma carga cristã em seu nome, como também ela não deixaria de ser apenas mais uma no meio de tantas mulheres andando por aí. Contudo, insistem sempre nela, em Maria. Se ela se chamasse Pedra pelo menos ainda seria dura. Só que é sempre Maria - e inúmeras imagens vem a mente, Pietas compungidas sofrendo a pungente perda do filho salvador da humanidade; donas de hotéis importados e com as luzes acendendo : Mary´s Place; senhoritas humildes invisíveis no meio de uma caixa de papelão gritando: meu nome é Maria e o alrme alarde dos carros sobrevoando sua cabeça, deixando um leve vento resfrescante e, sem que ela note, a breve indiferença... da qual ela não está nem aí, afinal, sua indiferença se aloja em tudo e sua constatação de seres de outro mundo é bem mais pontual do que a nossa. E de repente, a estátua começa a falar na rua, tem nome : Maria. E a Igreja de onde se levanta a estátua também tem nome... e é algum nome de santa. E a massa de Maria quiçá reconheça o nome de alguma padroeira tão massa quanto a dita massa. E o mundo todo seja Maria e até o outro mundo seja composto apenas de marias. Enfim, o Universal, o que é do homem é maria e maria é a única metafísica possível. E todas as coisas místicas também Marias, mortes, anjos etc-marias e até o que não é normal, o descabido, o inusitado, anomarias.
E inclusive o que sobra disso e o que se criará depois, Maria... Maria maria Maria. Como aquela música daquele musical... e Maria é a única substância possível e impossível. E maria é tudo e nada.
E a nuvem de marias se deita, dormem marias sozinhas com seus todos acompanhantes marias e naquele sonho, uma apenas quer ser mais que maria, mas só sabe ser mais uma
ou esqueceu de todo aquele seu outro um dia nome.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Desperdício.

ser poeta

talvez este seja

meu ofício

saber só pode ser

difícil

mas de tudo o que vale

deste meu vício

é tudo quanto nele é

só desperdício.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Chegada

À chegada

saiba

que já deixo

a palavra

a saliva

e o silêncio de temperança


saiba que já dedico

a fruta

a mordida

e a semente para a esperança


saiba que já me estendo

às memórias

às surpresas

e ao todo novo que serei desde o encontro às lembranças


e, sobretudo,
saiba ainda
e com delicadeza:

que seremos absolutos no calor intenso e suave

- de nossas ânsias.

haiku solar

nada vive em si
o sol, ele nem nasce lá
em sua ré, solmi

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

haiku pós-pórtico

copo, cerveja

o corpo quiçá veja

- o ser içando.

ponto

achar o ponto

em que o ato

seja exato


nem tanto

nem nada

na medida

do que serena


nem início

nem meio

ou fim


na calma

de como vier

ou na loucura


e principalmente

sem sofrer

a ternura.

Nuances

de novo aqueles sóis

abrindo dois horizontes

no meio do que fora escuridão


e por que o medo de que tudo se queime
e se reduza a cinzas?

Será uma intensidade que poderia se formar num instante
e depois
pestanas fechadas em uma piscada
e o mundo todo no absurdo de uma tentativa de luz?

outrora achara isso...

em outras auroras duplas

em outras veemências diáfanas

contudo, hoje,

quando vejo

a não sombra destes sóis se aproximando

deixo o brilho

brular a pele visível

e a outra

mais oculta

e mais densa...


Uma vez meu ser afogado

em chamas

reflito um pouco

e os raios de luz

docemente vão se modificando


toda aquela energia

ao invés de se tornar chaga

queimadura

torna-se espécie de paciência

em acreditar que toda a claridade

pode ser nítida

e pode também cegar,

mas sem que eu tenha medo de enxergar demais

e caia na mórbida alucinação dos mormaços

e ainda sem que eu tenha pavor de nada ver

e sinta, na clarão do mundo, que todas as coisas podem se apagar

a um simples sopro obscuro.


Quero agora olhá-los

sóis óbvios de meu acalanto

e, muito mais, contemplar-lhes

a cauda iriscente perfurando horizontes

agora já sei distingui-los

sem a pressa do lume

ou a ânsia da energia

ou o temor de sua átima extinção

Agora já os vejo

e os encaro

e mais do que querer ser imiscuído a tua luz absoluta

deixo que me olhes um pouco

e me veja também lúcido

de uma espécie de luminosidade verde

daquela que crê o futuro

não mais como oportunidade barroca,

apenas

como aceitação de inúmeras nuances,

quais forem.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Agapanto

sob o pranto

o pathos

da flor:

fez-se em folhas

o roxo fluido -

água

pranto:

agapanto

Poema para minha mãe

mãe

nunca quero te ver

como aquela que me trouxe

os grandes problemas de minha vida


Não

não foi uma possível ausência

reclamada quando criança

que me fez ser

por vezes ansioso,

por vezes melancólico,

por vezes afoito,

deprimido,

deprimente

e que me fez agir da mesma maneira sempre

na manifestação do meu desejo...


Não, mãe, não foi nada disso -

mesmo que eu saiba

que você tem suas razões psicanalíticas para acreditar nisso.


No entanto, mãe, prefiro ver de outro jeito.


Sei bem que você não é nada boa ou ruim

Sei o quanto você já se fez de vítima

após uma querela

o quanto você já sentiu sozinha

pelo meu egoísmo

o quanto você se sentiu não reconhecida

desmerecida

malbaratada


E sei que devia me responsabilizar por isso, mas

mãe, por que o faria?


Se sei que o passado já foi,

se sei que me arrepender de nada mudaria

e mesmo este arrependimento que seria senão culpa

sofrimento

e pesar

por tudo aquilo que nos fez chegar até aqui,

até este estágio

em que já não te vejo mais como mãe,

mas como esta amiga acolhedora

para quem confesso meus medos

minha ansiedade

minhas inseguranças quanto ao futuro;

para quem até peço dinheiro emprestado

e me xinga, mas no fundo nunca cobra...

(bem, talvez só um pouquinho...)


Não, mãe, não me arrependo por tê-la achincalhado,

por tê-la feito sofrer

e também não te perdoo se um dia me senti ofendido

ou diminuído...


e por que isto?


Simplesmente, pois, sei mãe

que não há do que se arrepender ou o que perdoar

nunca fomos deuses

e foi sempre assim que nos contemplamos um ao outro

com esse olhar sempre rasteiro

telúrico

de quem sabe que os defeitos existem e que

para além deles

há sempre algo a mais nas pessoas

elas nunca são o que se pensa

o que se pensam

ou o que pensam-se

não, mãe,

as pessoas sãe essa entrecoisa

que sempre se resignifica

e que a partir do momento que a verbalizamos

já se dissipa

dissolve

e vemos apenas o silêncio delas levantado

nossa voz rouca

e um imenso incomprensível ao redor de toda a definição possível


Mas se há tanto este silêncio,

qual o motivo desta insistência em te dizer algo,

em te definir,

será esta postura arrogância

ou uma espécie de outra coisa

que se mescla a uma espécie de ternura?


Mãe , eu poderia te ver apenas como a madrasta

aquela que nunca viu seu filho

e que deixou para as amas o serviço do cuidado

do afeto

ou ainda

poderia te ver como esta mãe rousseaniana

cheia de carinhos em exagero

me tratando como um bom selvagem e

querendo me proteger das imundâncias do mundo


mas o fato , mãe, e assim te respeito,

é que você foi apenas o que pode ser

nada como um ponto final definido

mas sim inúmeros e inúmeros pontos e vírgulas

e por mais que um dia eu tenha sentido qualquer sentimento por você

desde raiva, ânsia, náusea, amizade, carinho , amor

tudo o que vivemos até hoje foi só um encontro

ou mesmo o desencontro...


sei sim, mãe, que estamos para longe do ressentimento

e também que

poemas maternos geralmente são chatos

cheios daquele velho préstimo exagerado

de filhos que sabem bem que suas mães não foram nem metade do que escreveram

e nem do que eles, elas, foram

num dado relacionamento


Por isto, mãe, confesso

que devo, em alguma parte,

ter te reduzido ou te aumentado demais...


porém, quando te olho

o semblante,

às vezes, sinto que não vejo nenhum dos meus pesadelos

ou quaisquer das minha idealizações


Vejo-te, ao contrário,

como apenas uma mulher


- a mulher que desconheço profundamente

e que do pouco que acho que desconfio

já sei que é

a única

que poderia

ter feito

de mim


- algo como um filho.

folha

folha que espera
o outono
que vela o segundo
no arrepio
de


tombar.

e temia a folha
o cair
a dor do chão
e se desfez como em Neruda:



Por que se suicidam as folhas
quando se sentem amarelas?


Mas fora suícidio real
se vi
de um húmus


brotando rijo
e sem medo

o damasco-prateado?

terça-feira, 10 de novembro de 2009

quando vi...

é sempre do nada
que vem o de repente
e inopinadamente
nos inespera
e de tão inusitado
presto
nos arrebata
- totalmente de chofre

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

leviço

leve

que me

...........................leva


e refresca como o ar daquele leque

e sutil balança como aquela pluma ao zéfiro

e engendra a energia natural e feérica dos moinhos de vento

e é tão doce e pueril como a brisa dos airosos cata-ventos


e é sobretudo aquele sopro de arrepio que desliza

e penetra pulmões de respiro

e faz um organismo,

tornado

Envolvente

Arisco acaso
no calor teu
inusitado
surpresa e sortilégio
desatados
e te vi
as mãos abertas a me dar
mais que as mãos:
o detalhe
do espaço livre
que as envolve.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Una

Una

e como fora

é

fragmento

e aquele tempo

e aquele hoje

nem mesmo se sintonizam


entretanto

um pouco

ílusório insolúvel

resignou-se

e desta substância estranha

produzi outras

adicionando

a matéria absurda imaginária


agora e antes

nunca serás em si

Una

mas sempre outra

plural

mais uma

outra e outra e outra


Una

e nunca

Uma.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Una

bizarrices

e em fogo

voamos

de volta à cidade

o carro passando feito jato pelas rochas duras

brigas de trânsito na lama

cavalo na garupa de dois homens

e aquela estrada insana

e a noção do tempo pertubadora

e o trânsito sem parada

e sempre parado

Una, ficaste pra trás

ou eu é que um dia sonhara?

Nada

tudo se viveu

e coisa alguma agora parecia perturbar de verdade

o mundo e suas experiências

é isso a que se resume

provavelmente

existir


hoje

passando no escuro com este carro em plenas chamas

olho derredor a cidade
cheia de suas luzes faíscantes e de suas pessoas estarrecidas
atabalhoadas

extremamente agitadas

não compreendo nada
do porquê

eu elas
nós
fazemos qualquer coisa


e pra quê compreender?

Desço do carro

toco o asfalto

minhas pernas querem agora
a inexplicável aventura

do não haver certeza

e nem nada

e se poder ainda

estender a vida em tudo

olhando as chamas que descem por um fio estúpido

de luz

que não diz uma só coisa que seja

Una

enfim veio o retorno

e fomos saindo

não, Una,

não foste

o recanto

retiro

a fuga...


E nem mesmo foste a oposição

do que vivi antes de te ver

ou

depois

da vista perdida na tua loucura depositada


Una,

nada disto foste

mas

em ti

pelo encanto do teu inusitado

e banal

como qualquer coisa

fui que pude ir

além

sem a noção de advir

simplesmente ir

porque já havia o surto

do movimento

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Una

um alguém saia da linha que arrasta tudo do rio
era mesmo um homem?
talvez...

não fosse sua quem sabe pele cor de conhaque
e
sua forma indível
ardente plasma...

flama.

Una

deparamos...


e o absurdo.




lá estava

o abismo preenchido

como que um buraco profundo e misteiroso

alimentando-se

do vazio

e do inaudito

desconhecido



nos sonhos que tive
quando meus olhos acesos
queriam entender aquilo
tudo se fez perdido
o mundo sem destino irrompeu-se
das dobras das circunstâncias


e mergulhei de cabeça em sua frialdade

e notando-o sem fim
e sem futuro
questionei se talvez
ele tivesse alguma origem
se porventura
uma boca
havia desatado-o
como a noção de tempo
advindo de um organismo

ele me afundou
e foi afundando...

e de repente senti como se eu puxasse sua longa cauda
língua turbilhante de sentidos históricos...

e lá no fundo imenso
a pressão cada vez mais aumentando
e me fingi um instante ter visto uma face quase divina
como que a sustentar o fluxo do espaço
e a incrível ininteligibilidade do tempo

mas me esquivocava em uma síncope imprudente
de explicações
e sentidos malogrados

o que havia ali de fato era
nem mesmo o traço de um semblante
nem mesmo a ideia de que um dia um semblante poderia ter existido

e confesso que até me choquei
mas passageiramente
uma vez que minha entidade própria
fora lançada
espaços adentros e aforas

e finalmente eu não mais entendia

no entanto, sentia como que
o não movimento de um denso nada se mexendo por entre
tudo aquilo que se afirmava como animado e inanimado

as coisas em sua existência agora me pareciam
envolvidas por uma espessa camada de vazio
e de indiferença

eu sabia que nenhum de nós
eu e coisas
nos importávamos um com os outros


foi quando aquela correnteza me socou a cara
e eu tirei dos olhos os meus dardos
e me engalfinhei penosamente com ela

acabamos os dois mortos

e um corpo subiu

vivo
e também morto

e ainda

pleno de nada

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Una

e atravessamos o caminho

viés de vida

no estreito do estrépito

da terra

no eco

longínquo

surgiu

o leão que vocifera

ruído de rugido

silenciosamente seduzindo

a vontade

de fincar pés

no aventuresco.

Una

deitar
depois da praia deixada branca
e sonar
sonhar
enquanto o espetáculo da vida que não fala
continua vivo

ou ao menos

sonâmbulo.

Una

hipnose mística

que fez de algo como onírico

um metamorfo

de rochas

tal ossos

e carne

junção de areias

e lágrimas sensualizadas


mas o que a cor dos meus olhos espelhava

era esse teu impávido azul escuro

quase negror

de noite funda

e tua boca em grãos brancos densos veio descendo meu corpo

e me senti todo acariciado


como se meus pelos em frio

dormitassem de leve

ao sentir o arrepio de teus dentes espumosos airosamente me mordendo

deixando a tua saliva de guitarra pestanejada

perenemente se enlaçando no suor passivo de meus impulsos

e eu te transbordando de vida

no seu me entornar de deliciosidades...


e assim, no teu mel cerúleo

permaneci lassivo

entregando o corpo aos acentos de volúpia

e fui aceitando o áspero de tuas garras de pantera obscura


quando vi

Panosexualizávamos desmesuradamente

e errávamos como deuses entusiasmados de todo o movimento incessante dos oceanos

e de toda a estrutura óssea e carnívora dos continentes

éramos como criadores no clímax da imaginação de conceber


e devorávamos para construir...


no fundo do teus abraços se chocando

com a explícita forma de meu ser

escapuli-me todos os sustenidos

e deixei a música aguda do corpo se soltar


a sensação era quase de ebriamente

delírios entorpecentes deslizando no colapso dos caracóis famintos

e as conxas nas coxas
as costas se entrechocando

como um roedor faminto friccionado entre as presas o alimento e se saciando...

e vi uma pérola como que introjetando-se no núcleo de meu bojo

eu vivia a estrela depositada que queria sair para aventurar-se no eterno não humano


então eu a expeli

e do jacto luminoso

estandarte líquido

vapor meio pó

tombaram da terra

ao êxtase oculto dos astros..

Una

e te vi:

una nua

a tua

bunda

profunda

unda

inunda

-me

e redunda

-me:

um átimo de

amor

e morte

abunda
-me

e afunda:

amoribunda-me.