mãe
nunca quero te ver
como aquela que me trouxe
os grandes problemas de minha vida
Não
não foi uma possível ausência
reclamada quando criança
que me fez ser
por vezes ansioso,
por vezes melancólico,
por vezes afoito,
deprimido,
deprimente
e que me fez agir da mesma maneira sempre
na manifestação do meu desejo...
Não, mãe, não foi nada disso -
mesmo que eu saiba
que você tem suas razões psicanalíticas para acreditar nisso.
No entanto, mãe, prefiro ver de outro jeito.
Sei bem que você não é nada boa ou ruim
Sei o quanto você já se fez de vítima
após uma querela
o quanto você já sentiu sozinha
pelo meu egoísmo
o quanto você se sentiu não reconhecida
desmerecida
malbaratada
E sei que devia me responsabilizar por isso, mas
mãe, por que o faria?
Se sei que o passado já foi,
se sei que me arrepender de nada mudaria
e mesmo este arrependimento que seria senão culpa
sofrimento
e pesar
por tudo aquilo que nos fez chegar até aqui,
até este estágio
em que já não te vejo mais como mãe,
mas como esta amiga acolhedora
para quem confesso meus medos
minha ansiedade
minhas inseguranças quanto ao futuro;
para quem até peço dinheiro emprestado
e me xinga, mas no fundo nunca cobra...
(bem, talvez só um pouquinho...)
Não, mãe, não me arrependo por tê-la achincalhado,
por tê-la feito sofrer
e também não te perdoo se um dia me senti ofendido
ou diminuído...
e por que isto?
Simplesmente, pois, sei mãe
que não há do que se arrepender ou o que perdoar
nunca fomos deuses
e foi sempre assim que nos contemplamos um ao outro
com esse olhar sempre rasteiro
telúrico
de quem sabe que os defeitos existem e que
para além deles
há sempre algo a mais nas pessoas
elas nunca são o que se pensa
o que se pensam
ou o que pensam-se
não, mãe,
as pessoas sãe essa entrecoisa
que sempre se resignifica
e que a partir do momento que a verbalizamos
já se dissipa
dissolve
e vemos apenas o silêncio delas levantado
nossa voz rouca
e um imenso incomprensível ao redor de toda a definição possível
Mas se há tanto este silêncio,
qual o motivo desta insistência em te dizer algo,
em te definir,
será esta postura arrogância
ou uma espécie de outra coisa
que se mescla a uma espécie de ternura?
Mãe , eu poderia te ver apenas como a madrasta
aquela que nunca viu seu filho
e que deixou para as amas o serviço do cuidado
do afeto
ou ainda
poderia te ver como esta mãe rousseaniana
cheia de carinhos em exagero
me tratando como um bom selvagem e
querendo me proteger das imundâncias do mundo
mas o fato , mãe, e assim te respeito,
é que você foi apenas o que pode ser
nada como um ponto final definido
mas sim inúmeros e inúmeros pontos e vírgulas
e por mais que um dia eu tenha sentido qualquer sentimento por você
desde raiva, ânsia, náusea, amizade, carinho , amor
tudo o que vivemos até hoje foi só um encontro
ou mesmo o desencontro...
sei sim, mãe, que estamos para longe do ressentimento
e também que
poemas maternos geralmente são chatos
cheios daquele velho préstimo exagerado
de filhos que sabem bem que suas mães não foram nem metade do que escreveram
e nem do que eles, elas, foram
num dado relacionamento
Por isto, mãe, confesso
que devo, em alguma parte,
ter te reduzido ou te aumentado demais...
porém, quando te olho
o semblante,
às vezes, sinto que não vejo nenhum dos meus pesadelos
ou quaisquer das minha idealizações
Vejo-te, ao contrário,
como apenas uma mulher
- a mulher que desconheço profundamente
e que do pouco que acho que desconfio
já sei que é
a única
que poderia
ter feito
de mim
- algo como um filho.
Gostei muito. Você conseguiu captar bem essa relação, tão contraditória de sentimentos, entre mãe e filho.
ResponderExcluirAcredito que qualquer um, que tenha tido uma convivência com a mãe, irá se identificar ao ler seu poema.
Beijos