terça-feira, 17 de novembro de 2009

O momento em que me deparei com a mesa...

da minha mesa

consigo enxergar

o que se diz como pós-modernidade:

de um lado vejo um pequeno copo de cachaça com um minúsculo prisma

e acompanhando-o uma tampa redonda

mais à frente

verticalmente ao copo

um pote de remédios

e nele, como tripas, aquelas pequenas cápsulas vermelhas que servem para manter
a jovialidade e os difíceis fios de cabelo

abaixo do pote
diversas pedras brancas meio lapidadas
um certo brilho seco advindo de sua cor

escorre-se até duas esteirinhas de bateria que me remetem ao ofício de tocar
ao trabalho das mãos em compassos
e as pluribatidas marcando o tempo

e eu acreditando que não perco a batida exata da música
e eu realmente concebendo que aprendi os contratempos

de repente,
............na diagonal
....................vejo o tênispé de calêndula

e me lembro de meus pés, de minhas frieiras assíduas e de todos os passos
pelos quais cheguei aqui
como se aquele caminho traçado tivesse realmente um traço
fosse realmente honesto
como se eu pudesse lançar a linha ao longe no passado e buscar o anzol perdido
no fundo de rio onde os peixes que comeram a isca
já nem existem mais
como estrelas

Todo de um golpe, quase no meio da mesa,
vejo os pregadores
a obrigação de lavar a roupa
de prendê-las
quando vejo-as em sua movimentação espontânea
acertadas pelo vento e querendo demover-se sem que, no entanto, possam deixar-se ir
para qualquer lugar do mundo
para qualquer sujeira
para revestir a copa de uma árvore
ou quem sabe ainda
estacionar sobre os olhos de um pássaro
e cegá-lo momentaneamente
ou mesmo até que ele despenque do ar
e conheça o que é ter pernas

Os meus olhos tombam então no computador,

bem ao centro da mesa

ele,

imponente
como que me mostrando a ausência física do mundo
e o meu ser todo fóssil
a contemplar o planeta em platonismos inimagináveis
e
sem dificuldade
entro em contato com todas as pessoas do mundo, embora me veja, na verdade, apenas observando o meu reflexo no vidro do computador
vendo apenas a minha imagem, as minhas palavras e outras correspondidas talvez não por uma pessoa
mas apenas pelos dados capturados quem sabe de uma subjetividade já perdida na configuração racionalizada de uma máquina

o ruído das caixas de som invade meus ouvidos
ouço, pela via de um dvd-r faber castell
uma outra dimensão de músicas e
estou num espetáculo pessoal no meu quarto
e os músicos já nem importam mais
eu nem sei os seus nomes
nem seus rostos
direito
mas conheço toda as suas trajetórias
sei de todos os seus cds
conheço seus estilos
e talvez possa até encontrar paparazzicamente
o nome falecido de seus antepassados

No encontro do som
eu coloco a mão numa escova de cabelos amarela
que tantas vezes desliza pelos meus cabelos
e me dá o vigor da estética
contemplo-a minuciosamente
seus n-números de pauzinhos como fósforos
que atravessam o cume de minhas idéias
que massageiam o ego e a cabeça
e desencadeiam as caspas e os fios aos sopros que desumedecem
a imaginação molhada
e fedendo a suor

num canto
eu vejo papéis
dezenas deles
alguns políticos
outros apenas publicitários
porém que se confundem
numa espécie de oferta
numa espécie de oferenda
numa volúpia de ordem
e meu coração bate em 2 por 2
ao ver que todas as palavras escritas nos inúmeros papéis
ressoam vazias no que penso
e se esticam pelo chão
até que eu as apanhe
ou apanhe
de suas inconformadas leis
de seus plenos tu-deves
de seus discursos críticos severos ressentidos agudos úteis ´
inúteis
até que elas me venham cobrar de mim,
(de mim,que sou tão pusilânime)
a vida que levo
o que todo que descanço
o ócio
e também a coragem a força
o não-medo
e tudo o mais que me esqueço...

embaixo de tudo isso
observo o "bandido da luz vermelha"
eu meio cego
no discreto de um quarto escurecido pelo sol que não sabe de seu lume
olho-o e penso
que grande merda!!!!
e um riso incontido e ácido corrói toda a gargante
contudo, não me incomodo
é como que um alimento que vai me descendo sem calma,
acendendo diversas glândulas
como uma espécie de húmusformicida
nutrindo e degradando ao mesmo tempo

e quando já sinto que a mesa já perdeu seu espaço
enão há como se localizar nada
topo a vista nas conchas de uma praia deixada em algum lugar
as conchas estão paradas
e eu podia pensar em eternidade adjacentes advindas de seus vários elipses incontidos
no entanto, apenas as olhos e posso enxergar a aridez de seus corpos
propensos a se esfarelar pouco a pouco até se dissolverem por todos
e subirem como areias
misturadas aos tantos grãozitos de pó que já dormem há tantos anos por sobre a face da mesa

finalmente
já nem mais sei da mesa
e me vejo sozinho
uma caneta na mão
o computador e seu teclado

penso em escrever um longo poema
mas estou tão cansado
que só me sairiam
a besteira
da observação de nada
e da sua expressão exausta
deslocada
e estúpida

Um comentário:

  1. Que descrição mais minuciosa!Consegui me transportar para onde se avista a mesa!
    "apenas as olhos e posso enxergar a aridez de seus corpos
    propensos a se esfarelar pouco a pouco até se dissolverem por todos
    e subirem como areias
    misturadas aos tantos grãozitos de pó que já dormem há tantos anos por sobre a face da mesa"
    Incrível.

    Beijos

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