segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

depuração


Não eu não tenho segurança de nada
nem se o vento, essa brisa
irá voltar

mas que sólido ar
no rosto
rasgando os cabelos
levando tudo

e meu corpo pura maresia...

Não
nada controlo
sou o peão que roda
o eixo por enquanto
e depois a queda


o dado
o seis ou o 1
e quem sabe o 0.

e no entanto lançado
sempre lançado
nas improbabilidades estatísticas


a matemática como aquela canção
não escolhi estar vivo
e nem escolherei talvez quando morro

mas aquela rua repentina
e repetitiva
os lençóis da primeira cama autônoma

a minha mãe distante
o meu pai um barco

o tempo é uma ilha descontrolada.


minha voz no eco e marulho
acendi uma vela ontem para mim
nunca se acendeu,
sequer apagou
e a luz e a sombra conformes
e além delas
cinzas e incenso


o perfume sobre a haste de um navio
singrando rodovias
rosas malucas sobre paraquedas
caindo e levitando

sou como o castor
e a ave

e aquela cicatriz corroendo
e ela é como uma pluma
estética como a dor
alérgica como a alegria

e dissemino o sopro de vida telúrico
porque ontem eu vi que havia como


a vida rebentando, arrebentando
ventres no meio do mundo
a lua explodindo da vagina da terra
ela nasceu pálida e brilhosa


e todo o céu como uma espécie de líquido improvável
estrelas sobrevoando o infinito
eu apenas um segundo e nada
e continuo existindo

em algum manual de instruções sem uso
e ainda assim tão fundamental


dorme um amigo meu lá fora
é um cão uivando
ele sabe o risco
de ser solitário

eu apenas no cio
vociferando
meus pêlos fúlgidos
na minha boca areia

tenho sede
amores infindos e complicadíssimos
ansiedades tormentosas
inseguranças descabidas
idealizações extravagantes e incontroláveis
e choro e sofro como um fragilíssimo

que querem de mim
que eu seja homem?
que eu seja grande
controlável

que eu não tenha medo
eu marmota
eu, o mais esquivo dos seres medrosos

não, terei medo sim
muito
e risco também

grandes homens o que tudo controlam
tudo sabem
tudo podem
e eu ainda temo perder alguém
eu ainda temo ficar sozinho
eu ainda temo
o não
o menosprezo
eu ainda temo como uma criança
o amor não atingido
o amor sequer proposto
o amor sequer vivido

eu que tudo temo
que tudo desejo
eu

que tenho tenho dó
e tenho vergonha de mim
eu que tenho sido um canalha de automedo

e que tenho segurado toda a vida com medo da vida
com medo de mergulhar

sentir logo a facada mas o medo do corte

quantas vezes eu teria sido mais
se deixasse a ponta do cigarro
e não só a fumaça me matar
sem apaziguamento?


li os jornais
nada me atiçou
aquela menina sim
e os seus cabelos

e de repente até os jornais valeram a pena
não pelos cabelos

mas por saber que o mundo
assim como aqueles cabelos
possuia inúmeras conchas
inúmeros animais

e aquelas pequenas pedrinhas sem graça que valem tanto

eu me destruindo
e no entanto sou aquela pedrinha
estática
fria e temerosa
vagarosa
sem jeito

e já disse que tenho medo?

as sombras e os fantasmas
sou aquela casa mal assombrada
não clamo por deuses
nem heróis
só sei meu nome no escuro
só sei minha estratégia para fugir
ou enfrentar

mas é o silencio que concilia tudo

fiz o banquete hoje
com a minha própria língua
e ela me disse sobre
a boca que eu tanto temo a existência
que eu tanto temo que fale
que eu tanto temo que descanse

a pressa por outro lado
existindo por querer concretizar o sonho
tarefa esdruxula que me coloquei
necessidade estúpida de me valer
para provar a mim mesmo qualquer meu significado
que consigo a conquista
eu donjuanisticamente

e eu solitário sempre
eu sempre desesperado
eu sempre com medo de perder
o que nem mesmo ganhei

aquela buzina e o trompete
de repente eu me levanto
e tudo está calmo

o mar é a visão que mais necessito

o mar e o seu amplo nada

ali sim vivi eu, nada além
ali sim
sofri como um

e a angústia era maré e maresia

e o sal era
depuração...

Nenhum comentário:

Postar um comentário