terça-feira, 31 de julho de 2012

(...)

- Mas...

A respiração de Gareugnon arfava em moto-contínuo. Caso ele respirasse. Fundo, começara a pensar se realmente deveria ter feito o que fez, apanhar o padre, sair da merda... Ao menos na merda, era um nada, apenas um esquecimento. Na frente do príncipe, no entanto, sujeitava-se à condição forçosa de esquecimento-esquecido.

Stratton apenas o observava, olhos em camarote. Vanora, no parterre, talvez risse de ambos, sem se deixar notar. O ator, entretanto, entre tomates e abobrinhas. Gareugnon - às luzes do palco acesas, ele, cortina sem atenção. Sentisse até melancolia.

Breu no espetáculo, atuação sem platéia, escuro escuro - Oscuro...

Uma sensação de total resignação se lhe acometeu. Olhava o Príncipe, olhava Vanora e não conseguia se olhar. Era isto, então? Nunca alcançaria nada nem próximo daquela aristocracia. Talvez nem o quisesse. Ser deus ou rei ? –quiçá quisesse apenas ser aceito: por Stratton, por Vanora, por quem quer que fosse.


Por si, quem sabe?

Mas, é cada um por si, um por todos, entenda-se, que comandam.

Uma espécie de palidez no agir unida a um terrível sentimento de incapacidade sempiterna dominava seus pensamentos; certos e errados que se negavam, de eternidade, de imanência, de horrível ou belo... – talvez desejasse a re-humanização e, enfim, no pulso banal: morrer.

Escuro escuro Oscuro...

Oscuro – e o fracasso em arranha-céus. Em que consistia ser vampiro, pois? Seguir regras? Não era o si de si que esperava. No entanto, como sobreviver sem regras? O problema fosse, porém, a contradmiração do poder dos alfarrábicos da Camarilla, seus caquéticos anciões titerizando seus objetos, fustigando-os sob olhos falconiformes. Seria?

Stratton continuava a olhar, lupando-o. Tinha em mente já todo o não-ser de Gareugnon. Alguns projetos de Vampiro não dão frutos. E acentuava em sua mente “projeto de” e, ao mesmo tempo, acrescia “não dão frutos”. Disse, então, estacando:

- Pois bem, pode ir, eu cuido dele agora.

- Mas, veja...

- Seus serviços não são mais precisos. Volte ao lugar que lhe designei.

- Mas, eu o trouxe...

- Não. Você veio de mãos vazias.

Era o peso do vazio. O peso de não ser considerado, sequer suposto. E se substituir em outra postura, ser poderoso? Poderoso é o simples estar preso aos outros – pensava. O príncipe dominava, mas e as responsabilidades e os complôs?... Não. Melhor era a merda, mas ela sintetizava tédios. Séculos em dois dedos. Estalo. O mundo todo tempo se reparecendo, desde antes, desde agora, desde depois - vampiros, humanos... sempre o sempre. Sim, o cargo, os quefazeres, o erro infindo e, opostamente, o projetar-se...

Apenas projeto.

Stratton acenou de seu privilrégio. A irís de areia sobre o semblante de Gareugnon; rijas deitavam-se as mãos sobre o ar. Gareugnon em crispas. Apurava apuros. Palavra dada seria despejo. Aprumou os lábios, minucioso. Fingiu-se mármore:

- Mas... – surgiu a voz roufenha, porém, desimaginando-a:

- Eu queria dizer algo... E creio que isto pode ser benéfico para o Senhor.

Senhor. Não era algo comum. Senhor. E abaixar a cabeça, o sobrecenho declinado, olhos veletais. Vanora, no canto, os risos soltos, embora a boca não os soasse. E Stratton completou:

- Diga.

E o “diga” atravessou o ar. Era isto, a resignação, a submissão. Quatro letras e o conteúdo de dezenas de páginas de ordem. Stratton se comprazia. Há que ser suave com as facas para que suas pontas sejam certeiras. Gareugnon, falou então, maculado:

- Creio que o senhor já deve saber do que se passa...

Senhor... a palavra chegava a ensurdecer.

Stratton, por seu turno, não deu grande importância a ela. Firmou-se, porém, nos caninos de Vanora. Sabia. Ela não lhe contara tudo, sabia, ela sabia. Sua face rapidamente tornou-se horrenda, um segundo – um olhar. Vanora entendera. Riria da fragilidade do Príncipe, não fosse o tenebroso que perpassou seu corpo ao ver-se como foco de um esgar de raiva de Stratton. Se antes se ria internamente, em diante, entranhas do pensamento aquietadas.

- Diga, apenas.

- Bem... Devo dizer-lhe que muitas coisas se passam e, sem querer ofendê-lo, a sua fama após estes eventos não será a mesma. - e a frase veio como uma agulha, o servilismo de Gareugnon ergueu em um quê, a cabeça, sim, ele acreditara ofender
Stratton – veja... no exato momento em que falamos, inúmeros problemas se passam...

- Continue.

- De certo que o senhor já está a par deles, não estou menosprezando a sua onisciência, mas... Acredito que eu possa contribuir para ajudá-lo...

- Seja direto.

- Então, como eu dizia... Vim aqui para trazer ao senhor um plano, mesmo sabendo que o senhor deve possuir um.

Os olhos do Vampiro-mor sobre Gareugnon, Vanora estava livre mais uma vez para rir. Conhecia bem que Stratton não estava a par de tudo ainda...ainda.

- Olha, deixe me dizer ao senhor. Sei bem que fui falho...

- Como sempre.

- Sei que não consigo, geralmente, fazer as coisas de acordo com o que o senhor espera.

- Sim, mas não se orgulhe disso.

- Eu não me orgulho... Pelo contrário, o senhor sabe que muito me importo com isso – um canino de Vanora escorregou da boca, ficou sobre o lábio; ela quase não conseguia se conter- o senhor sabe que, por mim, ensaiaria todos os passos da melhor maneira possível para realizar os planos adequadamente.

- Seja direto.

- Sim. Prosseguirei. Ora, colocarei minha proposta ao senhor. Creio que o senhor poderia dar uma festa.

- Toreadores.

- Espere... Mas esta festa poderia ser só um desvio. Nela, o senhor poderia chamar humanos de alta classe e mostrar para eles como o senhor é importante, como o senhor beneficia esta quase vila inane com o seu governo sempre coeso e veemente.

- Desvio?

- Sim... a partir dele, o senhor poderia aumentar sua já vasta fama entre os humanos. Por outro lado, ele também desviaria o foco de uma reunião entre os Vampiros desta cidade. O senhor aproveitaria o ensejo da reunião para demonstrar o seu poder e colocar a todos aqueles que duvidam disso, os pingos no “is” devidos. Assim, o senhor poderia mostrar tudo o que já fez aos que duvidaram da extensão dos poderes do senhor... Creio que seria uma ótima oportunidade para dizer que acidentes acontecem... no entanto, que são acidentes apenas... e que se aconteceram foi pela incompetência de seus subalternos...

- Como você.

- e não obviamente pela sua. Com isto também, o senhor já colocaria em questão tudo o que fará daqui pra frente com relação ao Sabá, afinal... enfim, e colocará nos eixos também as pessoas que andam infringindo a máscara...

- Como você.

- é mas, foi sem querer... – e botará ordem de novo nas coisas, nos vampiros, em tudo... E posso até ajudá-lo...

- Em que a sua ajuda me ajudaria?

- Veja, eu posso cuidar da festa para o senhor, porque no clã dos Toreadores não há quem seja melhor do eu nisto.

- Não. Não cuidará disso. Antes de voltar ao lugar que lhe designei, você cuidará da reunião. E entenda que faço isso por condescendência, você apresentou motivos suficientes para que eu o punisse profundamente, coisa que não descartarei de meus pensamentos por ora, mas não esquecerei. E apenas porque você demonstrou a raridade de estar desempenhado a fazer algo.

Gareugnon contrafeito. Contudo, aquilo era melhor, melhor do que voltar para a merda.

- Quanto à idéia da festa... Acho que ela pode ser aplicável. Creio que a Garceau, sua líder, poderá cuidar disso. Afinal, não há ninguém como ela para este tipo de serviço.

Louis sentiu a agulha que virou estaca. Desmerecido. Julie Garceau mereceria? Quem era ela? Líder de quê? Uma qualquerzinha onze-letras, franzina e incapaz. Reunião... a reunião era apenas uma idéia idiota criada para agradar Stratton – o que realmente importava era ele, Gareugnon, anfitrião de uma grande festa, para que todos os outros Toreadores o admirassem, para colocar abaixo logo aquela infame inútil Garceauzinha... para...

- Aliás, creio que avisarei Garceau imediatamente. Sobretudo, vocês dois se encontrarão o quanto antes possível. Quero tudo pronto em curto prazo. E , ademais, tudo deve ser relatado a mim, cada minúsculo passo, por Garceau. Não quero vê-lo novamente em minha sala, a não ser sob minha convocação.

- Stratton, acredita mesmo que Garceau será capaz de realizar tal feito? Ela nem ao menos consegue lidar com as responsabilidades de nosso clã...

- Sim, ela será capaz, principalmente, porque você não é. Tenho certeza que Julie necessita apenas de esforço. E eu providenciarei o esforço adequado. Ela sabe que não gosto de ser desapontado. Coisa que é ausência em sua capacidade... Agora, pode ir. Garceau entrará em contato com você para lhe ordenar as minhas ordens.

E Gareugnon saiu. O passo moroso, morosos os atos. O corpo meio que engulhado, agulhado, alheado. Entendera que, por mais que tentasse desvencilhar-se, ainda seria apenas um títere... As bonecas representam os humanos, qual seria a representação objeta de um vampiro? Sentia-se isso. A porta da sala de Stratton avolumava-se, renegando-o. Ali estava o poder, atrás de tudo. Na frente, só solos; o mundo tão livre que nem é mundo, mas nada.

Marsalla, no entanto, pedia licença ao Superior, ele sim, confiável, ele sim, aceito.

Alguém acabara de chegar, contudo, os auspícios de Gareugnon pareciam confusos. O futuro é sempre confuso quando o presente é mais ainda. Alguém chegara, era o que conseguia capturar. E o que isso importava?

A ele nada. Entretanto, uma paródia da figura de Stratton feita pelo Sabá, deveria ser trancafiada. Rumores se colorem nos campos mais verdes. Marsalla o sabia. E, por isto, avisou a Stratton sobre a importância daquela visita. Tratava-se de algo que " o senhor precisa ver". Stratton, urgindo, foi ter com a visita.

- Marsalla, cuide do nosso convidado apostólico e Vanora, deixe-nos a sós, isto é, a mim e as visitas. Apenas.

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Lá fora. Gareugnon indo-se, subjugado. e foi saindo ... saiu. S... S...

Passos:

- O que quer de mim, Vanora?


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Publiquei este texto em Vampire: a máscara há alguns anos, quando o sistema ainda existia. A cena que se passa se dava num momento interessante da história. o Sabat havia acabado de atacar um metrô, deixando um rastro vampírico que poderia ferir a máscara (para quem nunca jogou vampire, a máscara é o conjunto de regras vampíricas que faz com que os vampiros devam ter certa conduta estrita nunca podendo deixar sequer pistas sobre sua existência). Nesse momento, porém, Gareugnon havia conseguido se livrar de um famoso caçador de vampiros, e com isso poderia ajudar stratton, príncipe dos vampiros de hobb's end - nome da terra de Ananda, a autora do mundo, uma vez que anteriormente ele havia sido despejado no lixão e , em cima da merda, imprestável que era. É daí que surge sua ideia de fazer uma festa que despiste o atentado terrorista no metro. Uma parte da festa se encontra aqui também, na pele de Jean Jacques Sans-Cervell, personagem da história. A reunião ao qual os vampiros mencionam seria a reunião que realizar-se-ia com todos os vampiros, e que teira como ponto de auge a autodementalização de Wilbur que, assim, escaparia da dominação de Stratton. Com isso, após algum tempo, a loucura ficaria no poder, e Wilbur tornar-se-ia o príncipe surreal de hobb's end. Pena esta parte da história não ter se efetivado devido ao fechamento do grupo por morte da autora. Fica a vocês uma pequena partezinha disso...

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