terça-feira, 11 de junho de 2013
Indizível.
Sem palavras.
...............................................................Apenas entrou.
A porta em seu ranger tranquilo. A casa. Foi se alojar nos fundos. Uma maçaneta que deveria ser regada a óleo, levemente dura, trincos na madeira já velha.
A cama, sobre ela o lençol. Deitou-se, o corpo frio da brisa que se encerrou pela noite. Deixar o corpo, enfim, cair. Era o que pensava. O calor das cobertas, o corpo pleno. Tudo vagaroso, o som da noite com seus ruídos ao longe, conversas de bares talvez, alguém rindo porque o dia a se acabar estala mais uma cerveja; um carro passando pela rua, a escuridão pela via, sem rumo e qualquer lugar uma chegada; uma luz pelo click do banheiro, uma canção no lábio soando pelo vidro, um banho longo como o tempo sem contas.
Apagou a luz do quarto e esperou o sonho. Os pés, após se debaterem um pouco (restos da pressa a se esquecer), finalmente dormiram. Um último som antes da última respiração. A luz da lua levemente entrando junto ao macio de um pequeno zéfiro solfejando. A mão sobre a pele, o travesseiro. O sonho.
O sol de sei-lá-que-horas. Apenas se levantou, o s dedos quentes no chão frio, alívio. Esticou as pernas vagarosamente e caminhou até a cozinha. Alguns afazeres: foi lavando a louça em círculos, uma péssima obrigação, mas naquele dia, algo apenas responsável, sem o peso real de uma verdadeira obrigação, assemelhante a um cuidado. Assemelhante como o lavar as roupas, o preparar da comida gradual, atento aos pequenos detalhes, ao sabor capaz de ser provocado pela combinação certa de ingredientes, o cheiro ascendente dos alimentos – a cebola e o alho ao fritarem com o chiado chamuscado; o corte rente dos legumes e carnes, o arroz o feijão e o rodopio do pino da panela, com sua loucura de temperaturas gigantescas, sem que se seja capaz de perceber o calor pelos olhos; toda a cozinha a se espalhar pela casa, enfim, como se a fome revelasse às paredes e móveis a diferença única da vida.
Sentou-se e comeu. Sentiu o gosto de cada alimento. Abocanhando tudo, triturando. As carnes as comia cada uma como um animal, sem pudores, sem fraquezas. Usava os dentes em seu ofício real, rasgava tudo com a voracidade necessária, puxava os interstícios mais duros, destruía. Os outros alimentos, porém, dava a certa atenção a todos, comia conforme a variedade dos humores dos alimentos: as frutas, sulcava-as, ferindo-as, gozando seu sangue nectaroso, abocanhando na medida certa, deixando escorrer pela barba o sem-querer líquido que escapava da boca. De resto, mastigava, a comida dura roia, quebrava, rasgava; os caldos assoprava e deglutia; tudo o que era mole, sugava com a boca para retirar o sumo e, após, fincava levemente o dente; comia e comia, aproveitando.
Era tudo solitário. Sozinho e o sol, o vento, o barulho das coisas, das casas ao lado, dos carros na rua ao longe, as pessoas a conversarem, música de quando em quando, violões, guitarras, baterias e depois o retorno sempre, o sempre retorno do silêncio.
E veio a chuva.
Caiu rapidamente e o som prosseguia infinito como pétalas de fogo de artifício. Em cada minúscula gota, vislumbrava cores e, ultrapassando-as, seguia o foco perdido de cada desregrado líquido. Além das águas, via as cores do asfalto, das placas lá fora, as cores da parede molhada, as cores vagas e perpassadas de velocidade de cada pedra de gelo que foi se formando e sentia a agressividade de cada uma das rajadas.
Pôs sua face sob o líquido. Deixou-se cortar, deixou-se machucar sem explicação. Os rubores nascendo como e os arranhares, machucados sem valor, sem precisão, contudo que faziam tanto sentido. Riu e apenas riu. Era um idiota, sabia. Se alguém o visse... A questão era: não havia ninguém. Fora dali, as pessoas, o trânsito, os chefes, o relógio, os problemas, a TV das lojas, compras, o capitalismo ou o algo mais que não sabia bem identificar que fazia cada singular momento não existir ou existir como uma conta, uma sempre conta ansiosa e rudimentar que nunca possuía solução, somente o acréscimo de números cada vez mais desordenados pela tentativa alucinógena de tudo tentar cercar, controlar, organizar, e retirar o lucro do ar, do abstrato, e do nada construir pontes, para onde, para nunca, para sempre e além?
Foi se secar. A toalha sobre o rosto, esquentando e diminuindo a intensidade do frio e das feridas. A chuva também se secava, tranquila. O mormaço subia.
Ficou nu perante o espelho, não se viu, não se observou, nem quis arrumar os cabelos. Não havia por que. Deixou-os emaranhar-se. Deixou-os desenvaidecerem-se. Os pelos endoidecidos, úmidos e irregulares. O corpo em seus contornos sóbrios, as cores evidentes, sem o disfarce das roupas. Balançou-se como um cão somente. E riu-se da possibilidade de poder ser um cão, farejar, roer ossos, levantar apenas a perna e mijar sem freios, sem dissabores, apenas mijar e sentir o quente descendo.
Mijou, pois.
E escorreu-se todo até que a urina fedeu seu suposto naturalismo. Inalou-se e era natural, se é que assim se podia dizer. E se dizia. Terminou e percebera que já era tarde.
Morava sozinho há alguns anos. E a sensação do dedilhar sobre a solidão. Sua solidão era seu sereno. E se escutava como música olhando paisagens. Suava pouco. E foi até o telhado.
A noite chegara e ele contando piadas. Deixava que o que tivesse que acontecer, acontecesse. O sutil campo de todas as coisas. O evidente de qualquer coisa que ali estivesse, despertado. Entedia o afeto de um religioso sem mencionar qualquer reza. E curtia a evidência óbvia dos objetos, das materialidades e imaterialidades. Sentia-se uma faísca.
O sono bateu-lhe sem dizer nada, como uma vela em sombras. Sem cinzas.
Entrava na casa. O despertador tocava. Ou saía, de onde aonde,
O silêncio somente sabia, se é que se sabia.
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