segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ao real, asas.

sonhas com o quê
e nem vejo asas?

rútilo de sonho
que é o brilho
na hora noturna
do mais caloroso fantasiar.

e ainda assim
nem vejo asas
vejo apenas tu
mulher, mulher
minha

e tão em ti
que és
que os pés
jogados
sem angelicalismos
apenas tua carne
nua
os cabelos sem caracóis
apenas as ondas
quebradiças
que se emaranham quem sabe em nós
e as correntes nunca são frágeis
e nem sequer se dizem eternas
apenas avassalam
por serem o que são
por serem seu viço
sua luta´
por serem naturais...

e não há sequer a pena pequena de asas...

não há céus nos teus olhos
e nem nuvens são seus dentes
mas teus ossos - espécie de giz do trabalho
em que teu corpo filosófa
faz a fibra do teu sangue
destila a lógica
e a luta
em toda a tua estrutura
e faz deste teu oásis
de pele, eu,
em desertos,
tomar da fonte os peixes
e ver anjos nasceram safadinhos
sorrisos marotos
e atitudes pueriscamente traquinas
(pois nem anjos sejam
apenas estas crianças travessas
pregando peças
como línguas em descoberta
feito a expansão das navegações)
vejo-os, sem asas,
e sacros e santos
e ainda assim risonhos
e sem castidade
sem piedade
sem pecados
apenas rindo
como se fossemos gargalhadas
ou seres monstruosamente belos
em cada acerto
e em cada erro despretensiosamente
colocado
como se fossemos apenas isso

e continuassemos sendo

sem aquela ilha perdida
em que se buscou achar a sombra
mas que nem nunca possuiu a luz
para que possuísse ao menos substância

há isso deram nome de platonismo
e erigiram amores no véu
e fizeram de cartas, mortalhas
criaram lendas das quais não puderam nem sequer alimentar
a real figura
dragões selvagens dos quais os lagartos verdadeiros
nem ao menos degustaram um pequeno verme que fosse...

a isso deram o nome de problema na cadeia alimentar
e a fome assolou o mundo.

e onde estavam as asas?

que eu nunca as via em ti
como um rastro de Beatrizes
o lago de via-crucis
sem a dor
e a pomba depois do terceiro dia?

não, não vi tais asas
e de repente
olhei tuas pernas
os músculos
os ossos
estes grandes atiços
de fúria e intrégua
vi-os
e de nada me pareceram asas
pareceram ao invés
um grande porto
no cume de uma montanha
e o sol chegou
e os oceanos de neve
fumaças que não eram de fábricas
nem de chaminés

apenas o exalar matinal
do teu afeto
e nada era só delírio
mas em minhas pálpebras
com os beijos vermelhos
tecia grãos macios
e que raízes são essas,
sem dar asas,
que nascem a terra
dos meus pés
e sem imaginação?

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