quarta-feira, 12 de agosto de 2009

ode ao ódio

Como pude ficar tanto tempo miseravelmente sem o meu ódio
seguindo de angústia a angústia
negando o poder destrutivo de cada uma delas
e simplesmente aceitando suas consequências?

Quanto tempo tive este chumaço de algodão nas mãos
e falei a língua lhana das ovelhas
e fugi para trás do pastor
quando temia
e queria abocanhar com presas
todo o alimento maligno
toda a bile sangrenta
que reveste as coisas?

Quanto tempo escondi
como envelope de meu prórpio corpo
as cartas endereçadas de morte
permeadas de facas espadas lanças
setas que cruzassem
com as palavras mais suaves
e mais violentamente dolorosas
todo o corpo do nêmesis
sua sede fraca e politicamente correta
de acertar-me o tapa
enquanto que desejava
alvoroçosamente
os pontapés edificantes no saco
os murros na goela do estômago
as voadoras dedos afiados interceptando desbragadamente
a orla inexpugnável do cu?

Sim, quantas vezes?

Quantas vezes me fiz de vítima
e olhei para a sombra dos atos
como se minhas pernas corressem as consequências todas deles
como se meus pés negassem pisar a merda inconsequente do mundo
e minhas unhas não aceitassem
o vazio incólume do chão?

Quantas vezes?
Quantas vezes me fiz de esquivo
e chorei
ou abaixei os olhos
e deixei a afirmação de uma tristeza
moldasse como que um corpo para si mesma
e andando sempre
com o corpo sobre o corpo
deixando toda chaga
toda ferida
no laço dos nós da pele
nas minúsculas porosidades dos ossos
na imperceptível dureza do sangue
de outro ser
que não eu;
e sofri e sofri e sofri como um tolo
achando que o universo
doía por entre minhas calças
no vão da pele pela roupa
nos suores que já escapavam ar?


Quantas vezes me fiz ingrato
e blasfemei
e perjurei
e atirei pedra a tudo
sorrindo fingindo amando
enquanto , na verdade,
tinha meus espinhos por cada átimo de movimento
e o vento que me circulava era como um arbusto de pedras reluzindo
por entre as trevas
a necessidade de ser mau
a vontade de roer os pós como a onda faz da areia
sua eterna escrava de ataques em cadeia?
Acaso não fui apenas fraco
irascível
e sem a raiva adequada
só a vontade de vingança
moendo
como a vaca comendo as tripas nascidas com o bezerro
mastigando tudo
sem nem dimensionar
que come ascosamente seu próprio dentro?
Quantas e quantas vezes?

Mas e agora, como tudo é diferente...

quando depus minha espada de gume retrocedido
e estiquei seu fio pustulento
num pequeno furo ao desafeto
quando coloquei a culpa de lado
e notei que no ataque não se pensa
não se reflete
não se discute
apenas se encerra o golpe
e espera-se seus efeitos
contragolpes
contrataques
à contragosto do mão pavorosa do inimigo
que já enlaça o punho
querendo devorar o cérebro
tomar o coração na sola e esmagá-lo com o amor maior de ódio
e cuspir
não respeitar
deixar de lado as convenções burguesas do cumprimento
da saudação nobremente cortês
das lutas educadas e uniformizadas das academias
e abrir o espaço para a porra da porrada
para a saraivada de tiros no peito e o peito sem camisa
esticado e aberto
sem medo da dor do tiro
mas unio aos dentes
na emoção sardônica de achincalhar o que me fere
com ironia
de aceitar os fatos
tanto a emoção do que mata
quanto a voluptuosidade do desprezo...
do ignorar brincando
temendo a morte
e ainda beijando-a nos lábios
e acreditando que tudo é bom
necessário
que tudo faz parte de um longo processo
de inumanidade

esqueça-me o iluminismo
deixe apenas esta fezes
deixe apenas esta chaga exposta
deixe apenas a batalha
e o sentimento de vitória
e de derrota
deixe
que ambos me alimentam
e fazem de minhas veias
cordas esperando
o momento ideal da forca
de tudo o que tiver pescoço
e ainda daquilo que não houver.

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