sexta-feira, 26 de junho de 2009

Nora?

É mais um dia amanhecido... grande coisa, diga-se de passagem. Mas há ainda quem acredite que o dia será maravilhoso. E, ainda bem, para a felicidade da antítese.
Nora notou-se naquela manhã, nunca gostara de espelhos, contudo, a janela não lhe deu escolha. Viu-se e deslumbrou-se. Após deslumbrar-se de como era, deu uma de narciso e quis pular no rio, só que, distraída, notara-se demais para perceber que pulara, na verdade, janela afora. Caiu em cima de um carro, ou fora em um pedestre, ou na rua mesmo? Esse é seu segredo. E não convém aqui contar os segredos íntimos de alguém. O que podemos dizer, porém, é que um adolescente que passava, observara toda a cena. Aliás, ele foi quem ligou pra polícia, ou terá sido os bombeiros que ligaram ou que foram chamados?

Isso não vinha ao caso. O importante foi o que os jornais comentaram, que isso é sempre mais importante do que qualquer acontecimento.Sim, o espetáculo do acontecer é sempre mais legal. Põe-se alguns dados pra dar uma sofisticada, coloca-se umas corezinhas bonitas, em tons agradáveis, sublinha-se palavras, nasce-se fotos quadradas com enquadramentos perfeitos em acutângulosidades mirabolantes e miraculosas e, disso, retira-se todo um substrato objetivo da veracidade de um acontecimento, veracidade com alguns detalhes a mais, bem dito, mas quem é que quer hoje em dia o cru , o banal de cair de uma janela? Não, é preciso se romanciar uma queda, mostrar cada milésimo de gravidade imposto na nela... só assim Nora será respeitada e sua morte valerá a pena – nem para o céu, nem para a terra: só para os leitores. E os leitores acham que é uma pena. Agora, onde está a área de literatura, o caderno mais-mais-mais, os classificados, a economia e o setor de esportes do jornal? - resposta: página 15. E não se esqueça de dar uma olhadinha na página 22, onde daremos dicas para uma melhor alimentação e para uma saúde perfeita.

Norisberta, Nobrisberta, Nóaberta, Norberta, a etimologia vem de algum lugar, mas o cartório havia definido como Nora (para não definir genra - hahahaha - piadinha sem graça). Ninguém quis saber disso, no entanto, o importante da notícia era saber quantos litros de sangue foram jorrados. Se o pulo fora hollywoodicamente ou bollywoodicamente isso agradasse, mas quem é que se interessaria por um pulo estilo novela mexicana ou , quem sabe, "vale a pena ver de novo"? Bom, pra tudo se há interesse hoje em dia.

Marilda, ou Matilde, uma empregada do pequeno bairro de classe média baixa de Inferlândia, teve interesse. E aqui vai uma crítica ao escritor do texto: o senhor não é meu pastor, e tudo me falta, então não me venha com seus preconceitos de classe média barata, digo, sem nem de graça, por que a Matilde ou Marilda, pobre, negra, empregada tem que ser colocada como aquela que tem o gosto por novelas mexicanas e o escambau a quatro?

Nota:

O autor vem, por meio desta, se defender do ocorrido no meio do texto. Pede perdão, sente-se culpado, e só não quer ser preso por preconceito, senão teria mesmo é achincalhado tudo. Aliás, ele mesmo envia esta nota de repúdio a sua própria atuação e promete continuar o texto de maneira a contemplar democraticamente a todos, mesmo acreditando que a democracia posta da maneira que está é só muleta. Mas fazer o quê , né?


Nota 2:

O autor real deste texto lamenta a usurpação cometida pelo outro autor e seus comentários preconceituosos. Ele, o autor do texto real, quer apenas dizer que isto se trata de uma ficção e que a realidade aqui exposta é uma semelhante a possível da vida, (se é que estoutra possui, de fato, uma realidade), mas que não é , de modo algum, uma atitude preconceituosa, mas na verdade, apenas uma narrativa que quer tratar de alguns temas referentes à realidade de seu país, só isto e,sobretudo, isso.

Diagnóstico:

Meu nome é doutor Francisco( mas Chiquinho pros pacientes íntimos). Quero dizer que meu paciente não está em condições de escrever este texto. Isso se deve ao fato de ele apresentar sintomas do que se chama leigamente de esquizofrenia, mas como não temos ainda dados suficientes para forjar esta desculpa esfarrapada, trataremos de deixá-lo em observação, isto é, ele vai fazer o que bem entender e quando quiser que justifiquemos seus atos, alegaremos insanidade mental e estará tudo correto.

Atenciosamente,
Chiquinho


Maria Nora morta na rua dos desaparecidos. A vigilância sanitária foi levar o seu corpo e um bocado de lixo junto. Isso foi uma das matérias de jornal. A mais melodramática, quem sabe? Mas onde estava o fato, de fato, em todo esse discurso?

Norinha como era conhecida pelos seus vizinhos, após ingerir 34 comprimidos de...
Bom, eram comprimidos... teve um fim trágico se jogando pela janela do quarto andar de seu apartamento no bairro de Perdição, rua da boa morte. (aqui vemos que podem ser ainda mais melodramáticos).

Os residentes do prédio disseram ter visto ela antes do incidente. Niza Magalhães, 62 anos, disse : “eu tinha visto ela 1 hora antes de ela ter se jogado, ela estava bem e sorridente, não imaginaria nunca que ela pudesse fazer o que fez” e completou ainda: é triste quando uma pessoa tão jovem como ela morre, a gente que já viveu tanto e que está perto da morte, não entende como alguém no auge da idade faz isso... esses tempos andam muito malucos...”.

Aplausos para esta cena. Passemos adiante.

A residente do apartamento número 12 do edifício Vago-lume, no bairro de Cruz Jogada, Nora Vaz, jogou-se ontem do décimo andar. Pouco se sabe sobre o caso, mas alguns dos vizinhos dizem ter ouvido um barulho muito estranho em seu apartamento um pouco antes da queda: “Era como se alguém estivesse brigando, sei lá”- disse Eduardo Baleley, morador do apartamento 02 e vizinho de baixo de Nora.
A polícia disse que vai investigar o caso, mas já cogita a possibilidade de este ser, na verdade, um homicídio.

Esse tem um tom investigativo. Sentiu o suspense? Vamos ao próximo.

Repressão. Nora Lívia assassinada.

Nora Lívia, foi assassinada ontem, em sua casa, num bairro de classe baixa da zona leste de São Metralha. A jovem foi vítima de um atentado forjado por um grupo de policias que tentava impedir os movimentos sociais de seu bairro.

Uma semana antes, havia dado uma entrevista a uma revista, denunciando a prática extremamente autoritária da polícia, que desde o ano passado instaurara um regime de invasões constantes em seu bairro. A polícia alegava que o motivo destas invasões era acabar de vez com a dicotomia entre pessoas de bem e bandidos. Nora, que achava estes termos muito abstratos, acabou percebendo que ela também estava inserida na classe dos bandidos, uma vez que sua voz era contra a polícia e seu aparato judicial. Assim, Nora também tornou-se abstrata, de um dia para o outro.

Fomos conversar com o delegado responsável pelas supostas invasões, nenhuma delas retratadas pela mídia, ele nos afirmou: “nós somos a legião do idealismo, nunca iríamos entrar num lugar sem motivo. O caso é o seguinte, a ordem era pra que limpássemos a área, que tirássemos os bandidos do lugar. Chegando lá, olhamos as caras das pessoas e... olhando bem, percebemos que algumas delas tinham mais cara de bandido do que outras. Nas primeiras, metemos o cacete. Nas outras, demos porradinhas de leve, apenas pra que elas soubessem o que poderia acontecer, caso elas quisessem se tornar bandidas. Mas sabe que no fundo, achei esta nossa atitude muito violenta, mas o Estado sabe que quando precisa progredir a cidade, precisa de funcionários competentes, capazes de manter a lei e acabar com aqueles que querem acabar com ela”.

Conversando também com o porta da voz daquilo que chamamos Estado, ele nos disse que não há nada errado: “A polícia só foi até lá para garantir a ordem e retirar estes intrusos canalhas que assolam nosso país, estes vis bandidos que querem fazer com que as pessoas de bem sejam misturadas àquelas que produzem o mal, criando assim, uma miscigenação de raças que no futuro criará pessoas de meio bem e meio mal. Isto é uma vergonha!” (nota de rodapé - esta última expressão foi retirada de um jornalista famoso. Opus: jornal da noite, matéria 23).

E, por fim, falando com um morador local, que desejou não ser identificado, mas que devia ser chamar Pedro Gomes ou Gonçalves,obtivemos o seguinte relato: “é incrível que a policia venha aqui e nos trate como bandidos. Eu trabalho todo dia, pago minhas contas e ainda tenho que levar porrada quando volto pra casa, isso é uma palhaçada...eu sou pobre, mas sou gente, e de bem!”

Contemplamos apenas uma classe, passemos a outra.

Nora Schneiderman, professora de uma Universidade qualquer que tem grande valor para o país, morreu ontem asfixiada por uma bomba de efeito moral atirada pela polícia numa “manifestação pacífica” (é interessante, eles sempre colocam aspas quando querem moralizar – eu devo ter feito isso em algum lugar) contra a própria invasão da policia em sua Universidade.

Consultamos a reitora, funcionários, professores , alunos e o próprio espírito da professora, mas este último não quis se pronunciar, uma vez que a professora se afirmava como materialista e atéia.

O que conseguimos, contudo, a partir das entrevistas, foram algumas informações que chocaram até a nossa criatividade jornalística de gerar fatos: “O problema é essa reitora sem corpo que governa a Universidade sem saber o que está fazendo. Mas também o que posso esperar dela quando não é a sua mão invisível somente que empurra a polícia, como também a de seu conselho, a de uma Juíza que sabe-se lá o nome, e do próprio governador, que diz não querer se intrometer no assunto, mas alega que a polícia tem que entrar mesmo.”- colocou Danilo Frommer, aluno de um curso de uma das faculdades da Universidade.

Outro aluno, porém, afirmou que a polícia “entrou e deve continuar entrando e que quem tentar impedir tem que sofrer as conseqüências previstas pela lei”.

Já os professores, após uma discussão de sete horas, decidiram que deveriam mandar uma nota de repúdio às atitudes agressivas instauradas, infelizmente, no espaço acadêmico, fato que não mudou em nada a violência, nem chegou a atenuar realmente.

Outros professores, porém, ou não quiseram falar, ou apoiaram a reitora: “nós sofremos as conseqüências de esquerdismo fascista-comunóide-zarolho-e-psicopata- barbudo-e-mal-vestido que quer acabar com a nossa Universidade. Se atentarmos à produção de seus cursos, veremos finalmente que eles não estão fazendo muitas coisas para beneficiar a população. No fundo, o que eles querem é só fazer nada. Quer dizer, alguma coisa fazem, que é o mesmo que nada, greve.” Esquecemos também que houve uma parcela dos professores que disse não saber o que se passava, afirmando ainda, não querer nem saber e ter raiva de quem sabe (o que soa como um clichê até engraçadinho). Reivindicaram seus direitos de apatia e alegaram imperar na Universidade uma ditadura da voz e, às vezes, do berro ou do urro, que impede qualquer pessoa de ficar em paz com sua alienação ou com seu niilismo.

É tá bom. E...

A estrela, Nora Richards, morreu a poucos segundos atrás de um violento ataque cardíaco.
Segundo algumas más línguas, na noite passada Nora se encontrava muito baqueada depois de um pilecão muito loco que havia tomado. Após ter vomitado sobre a escada de seu enorme castelo (sim, ela gostava de ostentar ares de nobreza), a artista foi até seu quarto para repousar e esperar a maldita ressaca do outro dia vir. Qual não foi sua surpresa quando percebera que acordara morta. É uma lástima, talvez tenha dito. E completado, o mundo será um lugar mais triste sem mim.

De fato, foi. Bem, para seus tietes fanáticos. Um onda de pessoas acompanhou seu embalsamento ontem, às 0:00 horas (que fã que é fã nem pensa em dormir ou acordar pra cuspir- hahahaha -ai ai, mais uma piadinha...). Em dado momento, uma faixa foi esticada, como se fosse um tapete vermelho. Nela constava o seguinte dito: “Nora, estamos com você, mãe, estamos na TV! - Julio e Talita”.
"Tal manifestação só mostrou o carinho imenso que os jovens tinham por esta mulher", declarou, comovida, Bárbara Spiegel, melhor amiga da artista e herdeira do legado da amiga. Lamentou ainda: “o mundo perdeu um pouco de seu encantamento, pois nunca mais será o mesmo depois deste trágico evento... Nora , seja lá onde você está, que seja apenas lá, porque aqui tudo é uma merda.”

Onde paramos mesmo...? ah, sim... claro...

Não deixe de usar os produtos Nora, eles são os únicos com substâncias para lavar melhor a sua casa. Os resultados serão tão bons que até as suas vizinhas irão comprar... e mais ainda, talvez até o prefeito de sua cidade queira comprar para erradicar a sujeira das praças, começando pelas árvores, depois quem sabe até pelas pessoas, e enfim por tudo.
Compre agora que é bem baratinho e feito exclusivamente pra você e pra quem mais quiser comprar.E nunca se esqueça, o que você faz em casa, beneficia o que está fora dela. Ao comprar Nora, você estará também ajudando a manter sua cidade mais limpa.

Nora: a higiene começa com você.

Esta é uma boa forma de falar que todo mundo é sujo mesmo. Até tu, Nora? Quê que falta?

Nora, funcionária do INSS, vagabunda, ontem foi finalmente presa por incentivar seus amiguinhos a fazer greve,esta estabelecida devido ao aumento do expediente de trabalho. Como uma bom número (para eufemizar um pouco) de grevistas não queria se ferrar e ser taxado de bandidos, criminosos, e toda essa ladainha rotineira, eles deram no pé. Nora que tinha dificuldades para andar, mas que talvez sustentasse a ideia equivocada de que não era vagabunda a despeito do que sempre se diz do funcionário público, deu azo a vontade da perna de não se mover.
Foi morta pela manhã, pelo que parece. Mas quem é que sabe?

Constando tudo o que apresentamos até agora, os índices de mortandade do país têm aumentado e muito, mas, hoje em dia, alguém ainda que acredita em estatísticas? Isso é só balela. Se bem que pode até ser verdade... Quê importa? É necessário que haja notícia de morte e violência e tudo o mais...e quão maior o grau da porrada, mais as pessoas se assustam e isso, além de aumentar nossa audiência, legitima a sociedade a pedir que a polícia acabe logo com esta porra desses bandidos... agora vambora, que hoje eu tomo uma Nora e ainda atropelo alguém!!....hahahahahah!

Nora: se beber, não dirija.

- Medrosos, medrosos, medrosos...
- tira o pirulito da boca Norinha, vai acabar perdendo os dentes... - em breve , nos cinemas.

- Porra, não entendo nada do que estou lendo.
- E pra quê entender, Nora?
(aqui deve ser a parte da metalinguiça, né não Nora?)

-Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh...

- Calma Nora, é hora de dormir...

- Liga a câmera! Na manchete,página 1, amanhã, a gente diz que ela vai morrer.

Caderno cotidano:

Nota de falecimento (ou de existência ficcional):


Nora ? Você é viva?

Não percam amanhã novas notícias sobre o caso Nora de Aparecida.

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