meus amigos,
o silêncio é a primeira forma de verso
porquanto as palavras não saibam
nem o seu ser
e nem o seu existir
nem mesmo como ditas.
Desde minhas unhas queria tecer
a teia armada dos discursos;
e o entrave da língua
da mente
nem ao menos sussurra.
um misto de vergonha
e a sensação de total inaptidão
de total incapacidade
se revolvem em tiros
no centro
no centro de tudo
o que perpassa
a minha vida
e o meu viver em conjunto
- sou ainda o jovem de 16 anos,
observador e resoluto,
apenas o receptor de uma realidade
da qual as mãos não parecem saber o tato ideal
o tato real
e o desejo de mudar tudo
de ter a clave
ou mesmo o solfejo adequado
para compor
notas para todos os cantos
urbanos
de onde o desespero
não esvai nem de leve
a insipiência da boca.
Como sem saliva
são meus dedos.
e não sei o que violar
com meus cantos.
Como cantar todo este sofrimento?
como desencadear os versos sociais
os versos de denúncia
os versos de angústia
como ser a voz,
- uma voz -
de tudo o que se passa
de todo este sofrimento
deste medo inconcluso
deste hálito podre que nos reprime
da mão pesada que nos atinge
das armas que nos são impostas
para que não pendamos inermes
e a caverna burocrática qual mandíbula
nos mastigue, nos engula, nos defeque?
Como, meus amigos?
Não aprendi a empunhar versos
como versam armas
no entanto,
o meu corpo tem sede,
sede de hinos
não a deuses,
mas a estas figuras sulcadas de terra,
a estas figuras de calos,
a estes trabalhadores
alguns azuis, outros cinzas,
para quem gostaria de que um verso
fosse um repouso
ainda que a palavra nunca venha a valer
o leito
o descanso
nem mesmo a revolução e suas justiças.
Sim, tenho versos a estas mulheres e homens,
Não como um condor
mas apenas com suas lhanas asas
Não, amigos, não sei o que lhes dizer,
nem sou alguém de conselhos,
não dirijo nada
e nem ser sei um carro,
e das poucas e difíceis e duras palavras que tenho a dizer
não sei se delas sera extraída uma nesga de vida prática
No entanto,
eu dou o verso
e meus punhos
para que dos punhos
torne-se o mundo
que apenas hoje
são capazes os versos
de vislumbrar.
A vocês dou isto
a utopia
a utopia para além do abismo
desceremos muito ainda
cairemos
o abismo sequer nos mostrou a metade
de um lado de sua face
e nossos olhos por vezes ainda são fracos demais
pacientes demais
calmos demais
ainda somos muito mansos.
E confesso não saber se haverá um tempo
em que minhas palavras serão calibres
e o vinho, estúpido vinho,
a consumação da ceia
em que seremos comidos...
Contudo, não, não acredito nisso
sangram minhas gengivas
e mordem os meus dentes minha própria carne
antes que eu possa dizer
um ponto final.
Eu apenas queria ter o canto miraculoso
sem o divino ou o mágico
de tecer os dias como fazem as cobras seus caminhos
e, em sinuâncias,
ver a vida escapando por toda a tentativa
de se pisar sobre ela
de amarrá-la
de deprimi-la;
ver entretanto
seus olhos febris de raiva
a língua não tacanha
as presas afiadas
e a mordida apenas para inocular o veneno sóbrio
naquilo que se põe
como anti-vida.
É por isto, amigos,
que nem sei aos menos
o que dizer
não sei aconselhar
não sou messias
apóstolo
sequer profeta
temos apenas nossos calos
e o mundo
e mais um verso
depois de todo o silêncio
que vem nos chocar
e que nos impele
sem que saibamos
às armas
desconhecidas
que acabamos
nos descobrindo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário