quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

um passo

para que quer a perna
dar o passo sozinha
se só duas
é que levam à liberdade
do adiante?

À realidade

a asa não está no ar
é ela que segura as costas
e nem são os pés que pisam
mas é o chão que flutua o corpo

então porque não nos enlaçamos
para nós, sem os nós,
nos sentirmos mais agarrados
e desgarrados?

pois se queremos ser materialistas
nesta loucura de vida
nada mais adequado
à realidade
em ser quem sabe o sonho de voar?

Presente para um amigo

A Renam


escrever algo
a um amigo
é muito difícil

porque no verso talvez
não caiba a intensidade

de um fio de cabelo
de um riso do rosto
de um aperto de mão

do suporte do afeto.

no entanto, aqui tento,
pelo verso, o intenso,
e nesse meu tal intento
tento fazer da palavra,
fraca intenção de forma,
o corpo vivo de um abraço

para que um dia você possa,
meu amigo,
saber que para além do abraço,
reside ainda
num verso
a tentativa almejante
de depositar nas letras

os anos
de tudo isso em que crescemos
como amigos.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

estado

o melhor estado
não é este que limita
as nossas fronteiras

o melhor estado
é o que está.

A vida hoje
amanhã
qualquer dia

a vida é sempre vida

e seu estado é sempre o mesmo
vivo.

e se não tens mais ar
se não tens mais pernas
se não tens mais o que comer

ainda assim tens com o que lutar
e, por vezes, com raiva, melancolia,
ou até quase morrendo - instante em que a vida se luta mais ainda...

pois o que é mais luta
de tudo o que se movimenta

não é a roda
nem o avião acelerado
e nem mesmo a luz
em sua velocidade

é a vida,
a apenas vida
que é incomensuravelmente.
E não sabe dar nomes aos teus monstros?

então,

aprenda a lhes dar apelidos.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Aos que vierem

entrego-te meu abraço
ó mundo

para que possas recolhê-lo
de braços abertos

e só assim
na minha utopia
que é esse voo solto

sem a asa ainda , obra de construção,
do concreto que é o futuro presente;

que é o abraço disperso no ar
esperando o corpo para o qual ele possa
dedicar a materialidade de seu afeto;

sim, na utopia,
é que nos refaremos
a ti a mim
e aos que vierem...
Como é bonito
me ver alegre
aquela face de menino
no rosto barbado...
o olhar meio de danado
e aquele riso espocando
como se fosse a primeira vez de uma piada.

Como é bonito
ver a minha felicidade
a intensidade da minha dança
a minha voz saindo forte alta altiva
e o meu corpo junto
em cadência - meus pés em ritmo
minhas mãos tamboricando
e os meus cabelos no ar
brincando...


Como é bonita
esta serenidade
esse amor próprio
que não recai sobre si
com a vaidade tola da presunção
e que é, ao contrário,
a aceitação de ser normal,
mas diferente,
estranho,
mas comum,
e ainda
novo e,
ainda,
maduro.


Como é bom e bonito
saber-se vivo
e calmo
e lúdico
e engraçado
e sereno...

Sim, é bom demais estar vivo,
ser quem sou,
fazer o que faço,
ser este só mais um único
e por isso mesmo forte
na caminhada com os outros.

E quando isto sinto
crece em mim a fé
do coletivo
que em seus sorrisos
consegue ser a felicidade muito maior
do que o meu riso

A felicidade de sê-lo, mais intenso,
em conjunto...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

o jardim após hoje

no jardim
após hoje
apenas
se colhe.


e lançamos nossas sementes,
regamos,
adubamos,
cuidamos

da terra

e nem mesmo ela
em seu mais pleno estágio
sequer garante
o nascimento
de uma apenas pétala

pois, no jardim,
no jardim
após hoje
apenas
se colhe.

e quiçá, além,
murchará uma planta,
e se furtará ao fruto
seu destino
de futuro alimento

quiçá...
quiçá apenas.

pois quando penso neste nosso jardim abundante
que quer se alinhar
até se estender amplamente pelo horizonte...

pois quando vejo estas flores abertas
suas cores, seus cheiros,
e as abelhas, o pólen, o mel, o doce...


sei, meu amor,
para além da temerança,
que a hipótese do sonho
é a única semente
que pode e quer
ser vivida

pois no jardim
após hoje
apenas se colhe...

e se alcança

aquilo em que se tem esperança.
todos falam em dar o primeiro passo

pois quero , na verdade,

é dar o primeiro pulso

pra que o espaço

entre em rebuliço

pois que o passo

precisa do chão

pra seu termo

mas o pulso

continua

(impressionante forma de lutar)

latente,

da vida.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

17,39%

R$ 2,70


e atravessar o tietê a nado?

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

segurança

............................................aos meus amigos


e ele andava calmo

os pés descalços

nos relez espirros de saúde do ar


lúcido

e quando caminhava

ninguém via


a via

de afetos

todas as mãos caroáveis

envolvendo seu corpo


aquilo

denso

como um dia


eram

as vozes cheias de vigor


das amizades condensadas

numa espécie de clara

segurança.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

a imagem no rio

narciso
qual belo
ao te olhar
e te ver vivo

só não quero
o belo todo
que é temeroso
e nada sadio.

pois

tua beleza não está
na imagem refletida

mas em te veres

e poderes te ver de novo

e de novo

e a tua face ser como
as ondulações
... que................. tranformam

as formas no rio
meu amor,

quando te verei?

e quando
para além de ti

eu me verei

no seja lá o que eu for
sozinho?

quanta luz já te depositei no colo
e você mulher apenas

osso carne unha e respiro
mas não toda a luz
que me veem aos olhos quando te fito

luz que arde
que queima
que te dá novas cores
novas roupas
muda a tua pele
endireita tua velhice
nivela os teus defeitos
e te projeta como
metáfora
e metáfora
e metáfora...

mas
tua carne
não é e não pode ser poesia

minhas mãos é que são
teu corpo em verso

e te derramas...

e te vejo a minha vida de repente
todo o amor que retiro do mundo
toda a beleza
toda a singularidade das experiências

contudo, não o podes ser.

Uma vez que tu és tu
e vives tua própria vida no mundo
os teus próprios medos
o teu próprio desejo
os teus próprios sonhos
as tuas belezas diárias
únicas
e todas tuas...


uma vez que eu também
vivo a minha própria singularidade
da qual não participas
ao menos não integralmente
e vivo os meus temores e
meus vícios
mas também o canto de pássaro
que nunca sequer passou em teu ouvido...


Sim, meu amor, temos vidas diferentes.

e é por isto que eu preciso te ver
além das luzes desta cidade escandalosamente noturna de fachos que és

além
como o óbvio
como mulher
pessoa
seja lá qual fores.

e ver também a mim
nem maravilhoso
nem tampouco horrível
só homem
seja lá o que for isto.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

eu só queria uma gota

pra lavar todo este desespero

viver é muito complicado


e se choro

me sinto pueril


e se não sei lidar com as coisas

muito pueril


e se sofro pelos erros

muito pueril


e se não me responsabilizo

muito pueril

e se não escrevo um verso sóbrio
muito pueril

quando é que aquele espelho
muito pueril
verá que o rosto só pode ser

este

errôneo
medroso

temente dos bichos de baixo da cama
das janelas e sombras e galhos
dos armários

do escuro escuro escuro


quando é que verá o rosto em frangalhos
velho de pavor
quase cadavérico

e no oculto
a criança
braço levantado pedindo ajuda?

muito pueril muito pueril

e já não se pode ter um sentimento

é tudo muito pueril.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Edileuza

Edileuza,

o que gosto é deste teu nome descomum

de cuja sonoridade

inadvertidamente

vai me recaindo nos ouvidos

como os cantos minusculosamente escondidos

da vida

em sua poesia de mais ruptura


Já me ofertaram rosas

o céu

as estrelas

os mares

e tudo isto me soou como a banalidade das promessas que se deixam flutuar ao engano

mas em teu nome

vem a mim o segredo inconcebível do novo

o subversivo do diferente


Se me disserem que há um padrão
se me disserem que a excentricidade é rísivel
de nada entendem

o que há no seu nome
é a espécie de metáfora do inexprimível singular

é o acontecimento inesperado que urge toda a vida
a rebelião histórica, a nova sabedoria, é o estranhamento que altera curso
é o não conbível de eras e o revolucionário do futuro

seu nome é a idéia
do além da tradição

é como se o sol brotasse de madrugada
e fora do céu
na base da flor da terra.