segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Não, meu caro,

não se afobe.

o amor é tudo isto mesmo.

não é fonte segura de onde se bebe a infinda água

mas é ao contrário

a lassidão do rio que percorrer caminhos indescritíveis

em sinuosidades

adaptando-se aos diversos empecilhos

às curvas inesperadas

aos córregos quase sem vida

às secas já mortas

e até o inconstante do mar e seus fluidos oceânicos...


e o que fazes então com este amor?

que é um dia o colorido

outro a sombra

e no terceiro a meia-luz?

que fazes com este amor

máquina de produções delirantes

de calmas ansiedades ciúmes medos fobias e aquela sensação do insepáravel

e em seu conjunto

do nunca apreensível?


O que fazes se te recolhe a cabeça em amarguras

em melancolias

em apegos que não querem ser apegos

se queres esticar a corda para união das partes

mas não queres o laço

sufocante nó

que já enclausuraram

todos os escravos da história?


o que fazer?

como controlar toda essa impetuosidade

o dia que nasce brilhante tanto

que chega quase que a cegar

como controlar a ardência do fogo

senti-lo

aspirá-lo

sem se queimar
sem se ferir
sem sofrer?


tua mente entende
tua mente quer o sossego da solidão quem sabe
quer o recolhimento
o descanço de achar tudo tolo
e o afastamento da vida.

mas o teu coração
como que segunda mente
continua
e o teu sangue jorra como que voando
em dispersão

para onde vai a minúscula célula que quer a felicidade?

talvez encontre um muro e se choque
talvez torne ao como o ar

mas é impossível controlá-la

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

as belles lettres francesas

continuam retas no Estado

mas lá se vão dançando as belas palavras

lutando e se entrecomendo

Folhinha verde

é como colocar a palafita

no verde

sua folha úmida e sebosa
amarroneada

e sai-se todo sujo

do encantamento amoroso

o não sempre habitual

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Um mais um

A voz que pedia um "ser algo", escreveu-se. Meio ponto apenas e o ano se passaria. Mas o lente acreditava diferente, não na disputa exercida pela palavra, mas sim, no sem conflito do único todo-poderoso. Se era descaso do outro, Carlo, é provável que fosse. Um semestre mal feito, ou relativizando, meio mal meio bem feito - valia a consequência, mas valia a culpa?

Ela veio de qualquer forma.

Do lente, lentamente. Veio no enorme pronome 'sua', em caps lock - SUA - tudo porque o poder do Um, oculto e fingido de escondido, surgia como asa por trás de suas costas. Ao olhá-lo, parecia um anjo, um anjo de papéis e prazos, e o prazo era a morte pela obrigação. E o prazo era seriedade e ela, a nota. Notou isso, Carlo, e revindicou a certa seriedade instituída ao longo do ano.

“Meia seriedade, meia nota, meio ponto”.

Mas, a lógica do lente era outra, o que gerou o embate. Embate que nunca ocorreu, pelo menos, não como embate... Vieira, padre, não parecia ter entendido a língua dos índios, e os jesuítas já tinham impregnado de linguística suas bocas. Eles já sentiam o poder encantatório das belas palavras, não sabiam, porém, que atrás daquele discurso, vinha a pena, em único sentido, sem a ideia outra de pluma. E a pena não dançava, só se aplicava, não permitia uma resposta semelhante de belas palavras- em linguagem não portuguesa.

Foi, então, que o anjo assumiu tudo. E ele não permitiu a diferença e nem a indiferença. Não permitiu o "está bem, seja como for, faço o que vier ou me reprove logo, amanhã é outro outro"... Não. O anjo queria recuperá-lo. Trazê-lo para a única e sempre perspectiva eterna do grande Um, a de ser alguém que no devir será este mesmo alguém, ponto fixo uníssono da unidade, ente da regra singular da sagrada Igreja do Um.

E isto fez e disse: "Faço isto, pois um anjo é bom. Você tem que sentir-se mal,pois não é bom, nem um anjo." E aí estava. Todo um anjo só pode ser bom, só pode ser um anjo. E Carlo, que era? Era Carlo, claro, mas era. E o era da experiência criou um novo mundo do vir-a-ser. Louca, a fera não notada, criou-se aos olhos do lente - pena rasgada do um anjo, que já nem anjo era. E aquilo um que se chamava céu, sem meio ponto, outro, que é que seria?

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

o raio de luz

quantos eternos e fugazes se enovelam e desenlaçam na velocidade de um raio de luz imóvel e entrando calmo e célere pelo vidro da janela e pelas suas frinchas?

4ª pessoa

nunca fui ser

nunca fui

e nem mesmo estar

para além do verbo de ligação com isto que se chama eu

quis aparecer como hiato fundo

ou mesmo hiperbole desconexa

e quem sabe até mesmo

depois de todas as outras

a 4ª pessoa do plural?

domingo, 13 de dezembro de 2009

o reflexo do pai

sobretudo você é um tolo

um idiota

e quantas vez já te pensei inútil

mas será que não é a semelhança

narciso mesmo

não gosta de se ver no espelho?

parede

De repente

eu começo a me achar

desinteressante


mas aquela parede branca

sem espelho

ela sim

é a mais intensa surpresa.

Engano

eu me engano

e na gana
de me enganar

me engano também

e muito e mais
me enganando

sugere-se um engano a mais
ainda

e outro e outro e outro

e mais enganos,

se não me engano.
tudo o que eu quero amar

é aquele marmota vermelha

insana

que se precipitou no abismo

antes de atingir a pedra.

sábado, 12 de dezembro de 2009

ânsia

desespera

a espera

é só a esperança

do encontro.


e me encontro só

a mão no celular

no ar

no relógio


o tempo que permanece

já está no futuro

enquanto o corpo

continua sem parar no presente


espero apenas

e a penas

espero

mas logo

algo acontece


que seja o que quero
o que não quero

mas o que quer

que seja.
Não vou viver em vão

se tudo permitir

escapo pela calha.

Faminta pomba

Pomba branca

destruída debaixo da mesa

a pata quebrada

e joga-se ainda migalhas

as outras vem querendo roubar

e as bicas, mesmo frágil.

E come.

Come luta resite

para quê? já nem sabe.


Inútil, amanhã provavelmente estará morta.


Mas, ao olhar para morte

em truculências chegando

o bico fica mais afiado

e há mais veemência

na vontade de comer tudo.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

converso

no verso
do verso

diverso

no adverso.
entre o bouquet

e o boquete

resta-se

boqueta.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Aquele outdoor de uma escola particular

São geralmente alunos brancos,
às vezes japoneses ou negros
para sugerir a não exclusão.

mas são sempre felizes e bonitos
com o sorriso sempre em riste,
por vezes em poses,
em outras andando,
em outras ainda em meio a livros,
uniformizados,
sempre muito limpos,
sem cáries
feridas
malícias
e como que encantados
os olhos em sentimento de slogan
o corpo livre, suave
como é o prazer dos submissos,
cães e suas posturas,
a boca amena no osso,
incapaz de triturá-lo,
só serve
de brinde,
recompensa
dos seus músculos behaviorizados,
dóceis, frígidos,
titericamente alegres.

E eu os observo,
em contraposição,
àquela entrada -
a balbúrdia das vozes
o trote pueril dos passos
o frenesi do indômito
e os dedos, os gritos
na tentativa de coibi-los
e suas vestes pedindo a lama
seus risos humilhativos
seus olhos de lanças
o alucinado latente de seus corpos
às vezes suas faces quedas
seus prantos sofridos
ou persuasivos
suas vontades de devorar tudo
suas sedes de domínio
de dominação, de subversão
sua anarquia
nos gestos, palavras, atitudes,
mas também seu enorme conformismo
ou suas ânsias de quimeras
suas perguntas
suas mãos às escuras no intuito do tato
no meio do impalpável sentido
seus hiatos e gramáticas
sobre o mundo do cálculo e das hipóteses
sobre a vida biológica e histórica
e seus enormes egoísmos
e medos
seus pelos saindo
suas partes brotando
tudo em si querendo formar-se
e o curioso pelo absoluto
e o imenso em vazio

Me pergunto,
como?
Mas como?

Como posso vê-los assim parados
presos
em um outdoor de ofertas
augúrio de uma existência dada, coesa, profícua,

como?

como, se eu ainda os percebo
confusos inertes ilúcidos
frutos ainda no ar
na espera de enxergar-se
quase que caídos,
estraçalhados,
ou pelo punho apanhados,
seguros,
enquanto os vejo ainda
flutuando
sem atinar
seu imponderável espaço,
sua desbalanceável ação?

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Del-L

delete

o deleite

ou

o salvem do delito

ou do litro?

Inseto

Quero a calma do inseto
que fica horas lacônico
sobre a parede
como se a assemelhasse.

e que, contudo,
está sempre esperto
asas ágeis de saída
esquivo como um vento,
ao menor risco de vida.

que parece morto
mas está a par de tudo
e que no seu quase imperceptível modo
abunda em disfarces
e gera proles no mundo

- sem que se possa ver quando.

o fundo do poço II

que é a água do fundo do poço
senão a esperança de beber
no árido do deserto?

o fundo do poço

no fundo do poço
reside água
que sobe sobre os pés
sobre as pernas
avança sobre o tronco
e invade os pêlos
(tal raízes)
e penetra o peito
explora os úmidos de dentro
faz do sangue lágrimas
transparentes
até sair
feito suor
e invadir a face
deslizando até o topo dos cabelos,
suas minúsculas pontas,
e transcende
ao ponto de nos sentirmos
como que
a substância de impalpável líquido
e aquilo que fazia o furo
do buraco do poço
torna-se como que
o reflexo de sombra da noite
e por um segundo
faz-se do claustro da água
algo de material estrela
refulgindo soturna
na incapacidade do ar
que se torna,
sem que se respire,
a bolha que escapa
vagarosa e impulsiva,
procurando o teto do poço
para se explodir em um grito
de socorro...

socorro

socorro que vira chuva
e entorna do olho do poço
suas lágrimas retidas...

já fora
alcançada a terra e sua firmeza
reside agora lama
dureza até macia.